Poesias
PARQUE INTERNACIONAL
das prostitutas
dos vagabundos
a linha divisória
mostra a nudez
da América Latina
que grita
"tengo cambio"
mas só não
muda a vida
de exploração
de opressão
há aparelhos
eletrônicos
de Taiwan
da Coréia
do Japão
de São Paulo
importados
não se sabe
da onde
o importante
é esperar
como quem
espera o ônibus
da morte
como quem
não sabe
para onde ir
é internacional
e sujo
é internacional e livre
internacional
e escravo
do capitalismo
também internacional
já é tarde
os vendedores
ambulantes
recolhem
as coisas
e calculam
o que deu
no dia
a casa fica longe
e o dinheiro
é pouco
agora só resta
o silêncio
a noite
a linha
divisória
dos gritos
dos vendedores
dos vagabundos
e também das prostitutas
quer fazer amor?
cobro pouco.
o prazer é tudo
linha divisória
entre a locura e a vida.
POEMA UNIVERSAL
a bipolaridade da dança
universal se expressa
no silêncio e no grito
no movimento e na estática
na felicidade e na tristeza
na noite e no dia
no vegetal e no animal
na saúde e na doença
na violência e na paz
tudo repousa no espírito-matéria
na água que escapa
por entre os dedos
e se materializa no gelo.
Nada é absolutamente
rico ou pobre
vida ou morte.
Transpassam sorrateiros
os elementos vitais em nós
e vibram com alegria
nas moléculas
nas partículas
que bailam
em dimensões que não se vê
sequer nos microscópios potentes
mas que estão presentes
diuturnamente
em nossos sonhos de vida
em nossos cotidianos utópicos.
Que energia vital é essa
que não conseguimos ver?
São expressões tão simples
e paradoxalmente tão complexas
que se manifestam no início e no fim
no princípio que se acaba
no fim que reinicia
permanentemente.
Verdadeiramente
o caos é ordem
o equilíbrio é desequilibrante.
Para irmos ao longe
sequer precisamos sair
do lugar onde estamos.
A VIDA
Não conseguimos aprender a vida na sua complexidade
ela foge por entre os dedos
atua dinamicamente na construção diuturna do universo
está em tudo e em todos
é água, terra, ar, silêncio
explode na ira dos ventos
recolhe os nossos sonhos
reconstrói os nossos castelos celulares
penetra em nossas células
é microscópica manifestação do etéreo
presente em cada um
presente em todos.
A linear relação de poder é insuficiente para dominá-la.
Ela é naturalmente caminho.
Não é fim. O fim é a apenas o reinício de um novo ciclo.
AUTO-RETRATO
No cerne
trago os sonhos
trago os mares
trago os barcos
leves de silêncio.
No sonho
trago as armas
trago a lama
e a fumaça azul
das horas.
Na face
trago a noite
trago a ave
trago as palavras
de um poema morto.
("Fragmentos" – 1986)
DA CONDIÇÃO
Quem fui eu
que agora danço
cansado e translúcido
no mesmo baile.
Quem fui eu
que agora bebo
o mesmo álcool
do eterno sonho.
Quem fui eu
que sempre tive
na mesma boca
o doce beijo.
Quem sou eu
que agora tenho
a mesma dor
a corromper-me
a vida.
("Fragmentos" – 1986)
O ANDARILHO
Percorro estradas
que não conheço.
desejo imagens
que não vejo.
vivo sonhos
infinitos.
O importante
É perceber
A dimensão
De tudo,
Sentir
A noite
Que desce,
Percorrer
Todos os caminhos
Que não existem.
("Fragmentos" – 1986)
UM POEMA
Eu queria escrever um poema
que falasse da reforma social.
eu queria escrever um poema
que tratasse da revolução sexual
um poema que tivesse corpo
um poema que tivesse fome
um poema que tivesse condição social.
Eu queria escrever um poema
Que fosse capaz de transformar
Um poema que fosse capaz de
Transtornar
Um poema que fosse capaz de
Embriagar.
Um poema que tivesse dentro
De si um grito
Um poema
Que fosse lido
Relido
Adorado
Como um mito.
Eu queria escrever
Um poema
Que fosse
Simplesmente
Um poema.
("Fragmentos" – 1986)
A MORTE NA PRAIA
Luzes no alto
sangue na areia
e a espada enterrada
na pequena sereia.
E o mar a abraça
com seus dedos
pesados e azuis.
E a sereia na areia
coberta de sangue
de farrapos
de fitas
com seu corpo de sal.
("Fragmentos" – 1986).
ESSA GENTE
I.
E essa gente
Que não tem
O que comer
Que não tem
O que vestir
Que não tem
Onde morar
Quem amar
II.
essa gente
que tem feridas
no corpo
que tem sede
na boca
que tem sonhos
na mente
III.
Essa gente
Que não sabe
De onde veio
Que não sabe
Para onde vai
Que não tem
Para onde ir
IV.
essa gente
que colhe flores
nas latas de lixo
que carrega cacos
de vidro
estrelas cadentes
e restos de
vida nas suas
mãos escuras
V.
essa gente
explorada
humilhada
jogada
nas calçadas
que busca sempre a luz
que busca sempre a vida
que não sabe para onde ir
VI.
essa gente
que sente
no corpo
o tédio
a dor
o desemprego
VII.
essa gente
que busca
que grita
que constrói
o seu grito
a partir da opressão
e que tenta
estruturar
a sociedade de todos.
( "Fragmentos" – 1986).
POEMA UM
Pássaros e passos
sobre as folhas mortas
e a tristeza no rosto
e a tristeza no corpo
e a tristeza em tudo
que se fez vida.
("Fragmentos" – 1986)
ATRAVÉS DA JANELA
Através da janela
percebe-se que o vento
derruba as folhas
das árvores
e que os sonhos
são criados
a partir dos passos
dos velhos nas calçadas.
( "Fragmentos" – 1986)
UM ENSAIO SOBRE A LIBERDADE
A liberdade é a palavra
que está em todas as bocas,
que está em todas as faixas,
que está em todas as bandeiras
que está em todas as vitrinas
que está em todas as ruas,
que está em todos,
no cerne de cada ser.
E muitos são mortos
em nome da liberdade.
E muitos são agredidos
em nome da liberdade.
E muitos estados
crescem e oprimem
em nome da liberdade.
E muitas leis são criadas
em nome da liberdade.
E muitas armas
são construídas
em nome da liberdade.
E muitos ditadores
assumem o poder
em nome da liberdade.
E muitos pássaros
são encarcerados
em nome da liberdade.
E muitos correm
em busca da liberdade.
E muitos gritam
pelas ruas
em busca da liberdade.
E muitos escritores
se suicidam
em busca da liberdade.
E muitos poemas
são escritos
em busca da liberdade.
E muitas crianças
morrem famintas
em busca da liberdade.
E muitos heróis
são gerados
em busca da liberdade.
E muitas luas
percorrem a noite
em busca da liberdade.
E muitas mulheres
se despem na noite
em busca da liberdade.
E muitos caminhos
são traçados na noite
em busca da liberdade.
E muitas mãos
são amarradas
sm nome da liberdade.
E muitas bocas
são amordaçadas
em nome da liberdade.
E muitas noites
se perdem
em busca da liberdade.
E muitos sonhos
são destruídos
em nome da liberdade.
E muitas prostitutas
se masturbam na noite
em busca da liberdade.
É hora de sonhar,
de abrir os braços
e gritar.
E de libertar os pássaros
e de libertar os sonhos
e de libertar o homem
da opressão
da repressão
do sistema.
É hora de sonhar.
É hora de voar.
É hora de se libertar.
( "Fragmentos" – 1986 )